sábado, 2 de junho de 2012


  "FAMOSA  -  A ETERNA"



                                   PORTA DE SANTIAGO  -  FORTALEZA DE MALACA

Continuando as minhas digressões pelo Mundo maravilhoso, do planeta TERRA, aterro em MALACA a 15 de Setembro de 2009 à procura da gloriosa jóia portuguesa  - A FAMOSA - hoje considerada PATRIMÓNIO MUNDIAL e outrora  conquistada pelos grandes Navegadores Portugueses !!

Quinhentos anos após o primeiro português aqui aportar...também o escritor Ferreira de Castro aqui chegou, já no século XX, início dos anos 40 quando iniciou e escreveu "A Volta Ao Mundo" (livro publicado em 1944) e agora eu, já no século XXI, descrevendo aqui algumas  das poucas diferenças que fui encontrar, passadas tantas  gerações.....

Assim FCastro relata a sua chegada:






"O «KAROA» diminui a marcha, dá suave meia volta e lança o ferro no mesmo lugar onde, diz a tradição local, fundeara a «FLOR DE LA MAR», nau de Afonso de Albuquerque.
.....singrando águas costeiras, a lancha atraca, precisamente junto à foz do pequeno rio onde os homens de Albuquerque terçaram armas pela conquista de Malaca. E cá está no mesmo lugar da ponte histórica, uma ponte recente, tão mediocre como a antiga......É Malaca, a Malaca da História Portuguesa, cidade cujo nome anda na memória do País das caravelas há quase 500 anos. Desde a manhã do século XVI as naus de Lisboa começaram a espelhar-se sobre estas verdes  águas...."





Naquela altura o porto estava repleto de juncos, segundo FCastro, pouco diferentes dos que Albuquerque ali encontrou, agora eu só encontrei uma caravela, bela, mas sem velas,  de altos mastros,  e decorada de ferros a  brilhar......é um réplica da "Flor De La Mar" a mesma nau que aqui fundeara comandada por Afonso de Albuquerque. Esta não navega, é apenas um MUSEU MARÍTIMO contruído em 1990, onde se encontram expostas cópias e originais, homens de cera vestidos a rigor da época dos decobrimentos, armas antigas, vasos de porcelana recuperados, mapas e fotos que reproduzem as rotas do caminho marítimo para o Oriente, usados na descoberta  destas  paragens até então desconhecidas... é a memória mais viva da ocupação de Portugal em MALACA! 







FCastro continua:
" MALACA constituía então centro comercial de especiarias, oiros, sedas, outras riquezas cobiçadas por asiáticos e europeus. Nessa época consideravam-na o EMPÓRIO de maior tráfico e opulência do Oriente........em Julho de 1511 foi o próprio Afonso de Albuquerque, Senhor da  India, vontade férrea temida em toda a parte onde dela havia notícia, quem chegou aqui. Atrás da sua «Flor De la Mar» lançaram ancora no porto de Malaca mais 16 navios.....Malaca dominava então todo o estreito, a porta do desconhecido e contituía a verdadeira chave dum comércio que estava ainda nas mãos do inimigo...os  portugueses construíram a Fortaleza que Albuquerque desejava e na pequena igreja, na colina da cidade sobranceira ao mar, realizaram outras obras e em Malaca dominaram durante 130 anos.....em 1641 os holandeses, sempre na esteira das  naus lusitanas, tomaram MALACA . Em 1795 os ingleses conquistaram-na por sua vez aos holandeses....."
"...Hoje quem arriba já não vê a fortaleza, mas os olhos encontram ainda a dominar o porto e  a cidade as  paredes da igrejita que os portugueses construíram na colina ribeirinha de Malaca....."

"...O PORTO ESTÁ  CHEIO DE JUNCOS QUE POUCO DIFERENTES DEVEM SÊR DOS QUE ALBUQUERQUE ENCONTROU AQUI...."

Mas esse não foi o cenário que aqui encontrei, mas só e  apenas lá em baixo ancorado no porto, o Museu Marítimo - a moderna "Flor De  La Mar" ...infestada de turistas vindos de toda a parte do Mundo, uma nova ponte, casas modernas, Hotel de luxo, centro comercial, avenidas, rikshaws cheios de flores e alguns pássaros a voar.... os únicos testemunhos silenciosos do passado!



FCASTRO:  ....."começámos a subir a colina......assemelha-se a esses outeiros de nossa Srª do Monte, mas é mais romântica ainda.....a colina chama-se S.PAULO e sítio de maior airosidade não existe em  Malaca ...aqui os portugueses vinham perscutar o mar, na ansia de  ver romper na linha do horizonte naus que trouxessem novas da sua terra longinqua..."

FCastro sentía assim com a sua presença e profunda intuição o que se havía  passado há 500 anos  atrás, ele sentía no coração e com emoção vivia a realeza dos factos da História passada.

"...Mas tudo isso desapareceu e só a igrejita ficou, arruinada a presidir, de sobre a colina, o estreito de Malaca. Entrámos. As  paredes descobertas enquadram uma sala revolvida, terra que foi de numerosas sepulturas, agora cheia de destroçadas pedras e  ervas silvestres, paredes sobre as quais andam insetos e lagartos... dum lado e outro arrimadas às paredes encontram-se várias lápides tumulares de portugueses e holandeses. Alguns artísticos brasões. Entre os dos  lusitanos sobressai o de  D.Miguel de Castro, capitão que foi da fortaleza de Malaca, onde morreu. Só ficaram estas frias inscrições levantadas das sepulturas, a escutar o silêncio quente dos dias malaios no cimo da colina e, em noites de tormenta, o lúgubre uivar do vento nas ruínas que parecem cheias de fantasmas.... aqui também esteve enterrado, durante algum tempo, o cadáver de S.Francisco Xavier quando o trouxeram da China para Goa e em Malaca fizeram a pausa da jornada...." 
Esta descrição da velha igreja não pode     ser  mais fiel, ainda hoje aqui estou eu, volvidas algumas décadas após a visita do escritor, oiço estas palavras e sinto um arrepio...tudo permanece na mesma como então...mais que nunca na memória se revive quando este lugar se visita, a glória do passado, os mortos que aqui vagueiam como fantasmas........ ninguém pode ficar  indiferente á magia deste lugar sagrado!   FCastro descreve então um acontecimento épico da forma mais poética como só ele sabia fazer:

"..um dia estas velhas paredes viram subir a colina e entrar aqui um HOMEM na qual outros homens só reparavam por ele ter um olho a menos. Chegou, fixou o interior do templo, ajoelhou-se e rezou. Saíu depois e quedou-se a contemplar  o mar. Era um simples funcionário a caminho ou de regresso de Macau. Não gozava de nenhuma homenagem e como fosse semicego até os mendigos evitavam pedir-lhe dinheiro e sentiam certa fraternidade com ele. Demorou-se em frente do vasto panorama e por fim desceu a colina sempre sózinho. Só muito tempo passado estas próprias pedras saberiam que tinham visto o maior épico do povo que as erguera aqui, o poeta de aventurosa existência que havia de cantar as façanhas dos LUSÍADAS... agora no Templo em escombros, onde pairam sombras só há silêncio de vidas que se apagaram e no qual parece lançar-se a alma das muitas gerações que trilharam a colina....."

E ali eu começo a ouvir a voz de cada pedra que parece cantar.....

«AS ARMAS E  OS BARÕES ASSINALADOS
QUE, DA OCIDENTAL PRAIA LUSITANA,
POR MARES NUNCA DE ANTES NAVEGADOS
PASSARAM AINDA ALÉM DA TAPROBANA,
EM PERIGOS E GUERRAS ESFORÇADOS,
MAIS DO QUE PROMETIA A FORÇA HUMANA,
E ENTRE GENTE REMOTA EDIFICARAM
NOVO REINO, QUE TANTO SUBLIMARAM»

             (Luis de Camões -  Canto primeiro . LUSÍADAS)

A VOZ do poeta encheu meu coração.... abri os braços e 
 
Acolhi os fantasmas que pairavam no ar,
E o poeta, o escritor e eu, juntos
fomos contemplar o mar....
e humedecer o olhar.
Lá longe espreitavam a ponte,
a caravela já sem velas
e o altivo mastro,
mas de Albuquerque nem rasto......
Só o uivo do vento
e o silêncio
reinavam nesse dia, ali
nada mais existia.                              
Renascemos
e, de alma cheia, descemos
aquela mágica colina
para ver a porta
a quem CAMÕES chamou
A GLORIOSA,
e a quem os malaios
ainda hoje chamam de "FAMOSA"

E FCastro assim termina a visita:

"Descemos, contornámos o outeiro e encontrámo-nos perante outra memória lusitana. É uma velha porta solitária - a única coisa que resta da fortaleza que Albuquerque mandou construir em 1511 e quiz que se chamasse  «FAMOSA»"

Só uma inscrição em inglês explica a origem da ruína......

sábado, 14 de abril de 2012

AS «APSARAS» DO REINO DE ANGKOR

O escritor Ferreira de Castro descreve assim no seu livro " A VOLTA AO MUNDO II" (publicado em 1944), a sua passagem pelo Camboja e a sua visita ao reino de ANGKOR, uma das Maravilhas Artisticas do Mundo. A Ele, que eu conheci pessoalmente e que me inspirou nesta mesma viagem, ao mesmo lugar, eu devo-lhe  esta homenagem:

"Estamos em TA-PROHM - um dos santuários - das enegrecidas paredes que ainda se mantêm  de pé surgem as «APSARAS» - deliciosas figuras femininas em baixo-relevo de seiozitos eretos e de pés, com escravas, volvidos para um só lado......"


                 Havíam passado cerca  de sete décadas e ali estava eu,só com o meu guia cambojano, poucos minutos depois das 5 horas da manhã, sentados numa pedra do Templo. Entre um silêncio sepulcral, os primeiros raios de sol perfuravam as nuvens expessas num céu pintado de negro, uma luz diáfana e purpura iluminava a floresta ainda adormecida e reflectia-se no lago.
 Jacques tentava chamar a minha atenção com palavras suaves, contando a tragédia do País e o sofrimento da familia que perdeu, durante as guerras sucessivas.

De repente uma outra voz, na minha lingua materna, segredou-me ao ouvido:
 "É chegado o momento de conhecer uma das maravilhas do Mundo"........

      
...."ao primeiro contacto visual este enorme «ANGKOR VAT» parece, sempre que o Sol não o envolva de refulgências, uma obra de rudes linhas e cheia de arestas, logo porém que se examinem trecho por trecho e se descontem as feridas deixadas pelos séculos, um marvilhoso feito de arte, uma maravilhosa façanha da arquitectura e da escultura estadeia-se deslumbradoramente perante nós....."



"Os arquitectos quemeres começaram por sofrer influências da INDIA, a mãe religiosa e acabaram por superar os próprios monumentos hindus que os havíam inspirado. E, com este santuário, sua esplendorosa gloria, eles influenciaram, por sua vez, a arquitectura dos reinos vizinhos, sobretudo a do Sião" 





.."a incomparável sumptuosidade de «Angkor Vat» começa logo na primeira galeria. E tão extensa 
esta se mostra que percorrê-la toda é fazer uma longa viagem . uma viagem em que  as pernas  se fatigam e o espírito se assombra.........." 



.
..."animais preciosamente estilizados andam perto das «APSARAS», estas ternas figuras femininas que se vêm em quase todos os templos de ANGKOR e ficarão na memória de quem  visite Angkor como como a mais delicada e perene graça dos seus monumentos. Mulheres divinas, nascidas da água, segundo velha lenda, as «APSARAS» de ANGKOR VAT ostentam sempre os seios eretos e o tronco nu, como as suas irmãs de outros santuários, mas artisticamente são muito mais perfeitas. Elas bailam, elas tocam, elas compõem a sua toilettle e exibem objectos profanos e sagrados..."

"....Celestes pela lenda, os anónimos artistas deste templo deram-lhes uma surpreendente humanidade e, mais do que os prazeres do  céu quemer, elas parecem cantar, com as suas vistosas ancas e seios nus, o mistério da maternidade."

     

Ferreira de Castro descreve com detalhe cirurgico as maravilhas deste Reino, com uma sensibilidade única, com uma intensa paixão pelo desconhecido e com um verdadeiro amor á arte ele se fascina e consigo leva o leitor a sonhar com as suas viagens, incuntindo-lhes um desmedido desejo de seguirem o seu trilho. E, assim, me encontrei no Camboja. Não me desiludi, tal como o escritor também me apaixonei por este Reino perdido, pela beleza e a perfeição das suas esculturas, pelo mistério que envolve estes templos, pela magia que  paira no ar, este é um lugar sagrado digno de ser visitado.

Assim ele descreve o final da visita a ANGKOR:

"As ruínas de ANGKOR são das poucas coisas do Mundo que justificam e ultrapassam a sua própria fama. Á noite tudo se transfigura; o grande templo, as gentis «APSARAS» nele esculpidas e a selva onde vivem os elefantes bravos, tigres e panteras".

"Raparigas cambojanas bailam em frente do ANGKOR VAT ...mil lumaréus, mil tochas queimam as trevas na enorme galeria de ANGKOR VAT. E as cambojanas bailam. Vimo-las primeiro esculpidas nas pilastras dos templos e a única diferença entre as bailarinas de pedra e as de carne é que estas em vez de torso nu trazem um corpete e calções, faixas bamboleantes, de rubras e doiradas escamas. na cabeça luzem um capacete pontiagudo, em forma de torre, metálico todo ele e com pedras incrustadas. Nos ombros vê-se-lhes um principio de asas e, sobre os pés nus, junto dos artelhos,várias argolas".  







".....Os movimentos dos corpos são lentos,duma lentidão de sonho;"

"e, de quando em quando, as pernas formam ângulos e os braços distendem-se hieraticamente...tudo é estranho. As atitudes das bailarinas, as mascaras que entre elas surgem, a selva que em derredor escuta e as moles de pedra do «Angkor Vat» que se erguem atrás e  flamejam na noite cambojana......."

"Queremos agarrar-nos a uma visão terrestre mas não é possível"



fotos: Helena Afonso

domingo, 1 de abril de 2012

A ALDEIA FLUTUANTE

- NO LAGO TONLE SAP -


Esta aldeia flututante nos recônditos deste lago paradisíaco, o maior do Sudeste Asiático, em pleno teritório Cambojano, parece não ter vivido, nem sofrido, os massacres das guerras sucessivas que assolaram todo o pais, durante varias décadas e que dizimaram a maioria da população. Foi uma doce PAZ e tranquilidade imensa, em tons de azul, que nos acompanhou desde o início ao final da visita ao TONLE SAP - lago de água fresca - (em lingua kmer), foi mesmo essa frescura deliciosa que sentimos na travessia, embora o calor intenso já inundassse aquele lugar.........

Parece até que o tempo parou e o "inferno" criado pelos kmer vermelhos ali não passou!

KAMPONG PHLUK  é uma das três aldeias flutuantes do lago. Habitada na sua maioria por gente de etnia KMER,  a aldeia compôe-se dum população de cerca de 3000 pessoas, vivendo em casas de madeira contruídas sobre estacas, ou "palafitas".

Chegámos cedo, no pequeno barco a motor, com uma ansia enorme de ver e fotografar.....já eu adivinhava que me iria deslumbrar.....

A grande"casa amarela" surgiu a flutuar, isolada, como se fosse a guardiã daquela entrada- " GENDARMERY" era o título que sobressaía na sua fachada - um "francesismo", herança da ocupação francesa por estas paragens...na era da "Indochina".

Fomos avançando devagar, em silêncio, como se quizéssemos entrar num reino proibido, mas  decerto muito apetecido.


Logo ali - "Kampong Phluk community fishery office"    todo em madeira pintada  de azul, surgiu um casarão, como um grande  barracão, estacas altas, varanda a toda a volta, portas abertas com janelas, mas sem sentinelas, o departamento dos pescadores, (sendo a pesca o maior fonte de rendimento deste lago) mais parecia um OVNI flutuante...talvez sim, talvez não....!

E  finalmente chegámos; já se via a aldeia, as casitas pintadas, os barcos, as canoas, as pessoas, a azáfama.......do dia......todos num movimento coordenado, como num brinquedo de corda que em sincronia se moviam.......

Parámos à frente da primeira casa, toda  de madeira e palha, o pequeno cortiço dos animais, um varandim com florinhas singelas, amarelas, reflectindo-se no lago, como uma aguarela numa tela, de um qualquer famoso pintor.....ou fazendo parte duma novela dum famoso escritor! 


Deslizáva a primeira canoa, movia-se sem pressa, UMA MULHER MUITO CONCENTRADA NO MOVIMENTO LENTO, SEMPRE EM FRENTE  MUITO DIREITA e DE  PÉ.
Novamente um quadro dum pintor....cativou-me logo o olhar. Fotografar, era aqui chegado o momento......


Á medida que penetrava naquele mundo, para mim ainda desconhecido, mas que já me envolvia, mais eu me encantava e lá  a vida não parava. Passavam as canoas, abarrotadas de frutas, os plásticos, a plantas, os animais, sempre em silêncio, tudo naquelas águas refletido, servia ao comércio daquele mercado colorido e flutuante...!




As flores, sempres as flores, lindas e frescas, enfeitando os varandins e as  portas eram o adorno principal daquelas casitas  coloridas, onde não havia luxo, mas resplandecia a simplicidade e a harmonia. A vida  quotidiana neste quadro fascinante onde tudo acontece ao ar livre, um mulher, na sua pequena canoa lavava os cabelos longos. Com o xampô, de marca, esfregava e enxaguava com a água do lago, deliciava-se e ria de prazer.....aproximei-me  a medo, ela não se intimidou, olhou, sorriu e depois posou...iradiava alegria!


Mudámos a direcção e entrámos noutro canal, neste  serpentear de canais labirinticos, como numa Veneza Oriental, onde as gondolas eram canoas, os grandes palácios revestidos de arte eram aqui  as  casitas simples, mas tal como lá, aqui se ouvia uma sinfonia......se  sentia POESIA........ 

E eis que surgem as torres cónicas e douradas, resplandecentes, dos templos budistas...denunciando a religião desta comunidade, a oficial deste País das Maravilhas! 



- BUDA é o ILUMINADO -
Os seus ensinamentos visam obter um estado de perfeita saúde mental, de equilibrio e de tranquilidade

A visita a esta aldeia foi para mim um meio de encontrar estes ensinamentos!

Embora tenha predominado o "Induísmo" na época pré-Angkoriana, o Budismo foi introduzido nos séculos XIII e XIV até 1975, altura em que os KMERS VERMELHOS (1975-1979) assassinaram os monges  e destruiram os cerca de 3000 templos budistas.
Mas a religião regressou no final dos anos 80 com os velhos monges  ainda sobreviventes e hoje já os novos monges estudam e aqueles que abraçam os votos definitivos dedicam-se ao ensino da religião.

Retomámos o caminho da cidade. De regresso à "civilização", esperava-me um belo jantar no meu luxuoso Hotel, um show de danças APSARAS, os ingredientes perfeitos aos valores ocidentais......
Mas o ponto alto daquele dia foi para mim no lago, a travessia, lá onde reina a PAZ e a HARMONIA, onde convivem a beleza natural e a condição humana genuína, lá onde encontrei o verdadeiro ALIMENTO da ALMA!










domingo, 25 de março de 2012

O LAGO TONLE SAP

"O CORAÇÃO FLUTUANTE DO CAMBOJA"


"On my journey up the river and across de lake I read.......
"THE TRAVELS IN INDOCHINE"  - of Henry Mouhot, a french naturalist, who was the first european to give a detailed description of the ruins of ANGKOR "-  (Somerset Maugham - The gentleman in the Parlour 1929)

Somerset Maugham foi o meu ídolo-escritor na fase da minha adolescencia,
li-o e  reli-o, ainda em África, onde nasci e onde sonhava com as rotas do mítico Oriente e com as viagens pelo mundo Asiático, genialmente descritas nas suas novelas e romances. Eu sabia que um dia iria viver aquele sonho e mergulhar naquelas aventuras... e esse dia chegou!

Ainda era cedo, mas o sol já escaldava e Siem Riep acordava....Meti-me a caminho só com o meu chauffeur "kmer", no seu pequeno tuk-tuk escrupulosamente limpo e arranjado. Á porta do meu hotel, á hora marcada, já ele me esperava com um enorme "bonjours Madame" e  esfregava e polía mais uma vez os latões dourados que resplandecíam e enfeitavam o veículo.....digno duma novela de Maugham!


Eu balançava no banco de trás ao ritmo do asfalto empedrado, na unica e estreita avenida  que liga a cidade ao lago TONLE SAP, para onde me dirigia. O som estridente da buzina cortava o silencio da paisagem rural, onde os bois avançavam numa caminhada lenta e pachorrenta à frente dos pastores que os conduziam ao trabalho.
A viagem, desengonçada mas divertida,  não afastava os meus pensamentos; sentia-me a "heroína" do meu escritor favorito e inspirador, que há já muitas décadas atrás havia percorrido aquela mesma rota, atravessando aquele mesmo lago que eu estava prestes a encontrar,  vindo pelo Rio Mekong para Siem Reap a fim de visitar e descobrir os belos Templos de ANGKOR.
Também eu havia havía visitado no dia anterior uma das maravilhas do Mundo - ANGKOR-WAT - e o cenário místico e a magnificência da arte "KMER" ,considerada patrimonio Mundial pela UNESCO, ainda me absorvía e envolvia naquela onda de sonho que me acompanhava na jornada.......

De onde a onde surgiam grandes mansões à beira da estrada, reminiscências da ocupação francesa, quando o país era ainda INDOCHINA (antes das guerras que devastaram o país, dizimaram populações inteiras e destruiram muito das origens e cultura do povo KMER ). De arquitectura euro-asiática era impressionante a sua imponência em contraste com os casebres humildes das gentes que habitam aquela  região.

Os campos estavam alagados das chuvas torrenciais que tinham caído nos ultimos meses, era o final da época das monções, mas a chuva teimava em não parar. Vi os bufalos de água mergulhados até ao pescoço, regalados nas "piscinas naturais" ; aproximei-me de mansinho e caminhei devagar.......

Naqueles olhos doces fixei o meu olhar...
era corpulento e negro,
mas não me meteu medo.
Apontei a minh camara
às orelhas enormes e abertas
áqueles chifres duros e curvos
e ele ali ficou, estático, álerta!
Seria o meu modelo certo,
naquele canto do mundo  deserto?

Ali fiquei a pasmar,
Até o meu guia me chamar.......


Saímos da estrada e enfiámos por um estreito trilho de terra batida e encharcada, cercado pela floresta.
Os solavancos  fazíam-me pular no assento e bater com a cabeça no tecto, algumas crianças corriam assustadas e atravessavam-se à nossa frente, ouviam-se latidos dos cães e os gritos da bicharada, os macacos pulavam nas arvores, contentes pela nossa passagem.......


Chegámos à beira do lago, onde os barqueiros nos esperavam impacientes. Embora seja este um destino turistico  obrigatório, não vi ninguém de perfil ocidental. Iniciámos a travessia. Alguns pescadores deslizávam em silêncio com as suas delicadas canoas, apoiados numa vara comprida que usavam para avançar como remos, apenas uma vegetação cobria o lago, como um tapete verde de plantas aquáticas que flutuava.

                O LAGO TONLE SAP NÃO É APENAS UM LAGO, MAS UM MODO DE VIDA! 

Mais de um milhão de cambojanos dependem dos recursos naturais deste  lago, na época das chuvas o lago estende-se a todo o país e liga-se ao mítico RIO MEKONG proveniente do Tibete, tornando-se no maior lago de água doce do Sudeste Asiático, alastrando as suas  águas calmas por 12.000km2.

O LAGO TONLE SAP faz parte  da  famosa e rica Reserva da Biosfera, sendo considerado um SANTUÁRIO, onde habitam mais de 100 espécies de pássaros e peixes, crocodilos, tartarugas, macacos que se espalham pela longa e inundada floresta de "mangrove" .

Vivendo em harmonia com o ecosistema, as gentes que habitam as aldeias flutuantes vivem em casas da madeira, construídas em palafitas, mantendo uma economia e um modo de vida interligada com a ecologia do lago, a vida selvagem e o ciclo de subida e  descida das águas.
O lago situado a apenas 15kms  ao sul de Siem Reap é  ligado à capital, Phnom Penh,  por barco diário.


Avisto a primeira casa, uma enorme estrutura de madeira em linhas orientais, sede  do governo local,  possivelmente, onde sobressaem os telhados vermelhos de bicos revirados contrastando com o azul intenso do céu e do lago. Uma árvore gigante semi-submersa, escondendo a primeira casa, deixa apenas de fora a copa  frondosa, como o guardião atento da aldeia flutuante que se avizinha.




terça-feira, 6 de março de 2012

"A MINHA DOR"

   



A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural!


Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no decorrer dos dias.....    
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios
Tão belos como nunca os viu ninguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve...ninguém vê...ninguém...




                             
                      Florbela Espanca (Livro de Mágoas-1919)





sábado, 3 de março de 2012

"AS ILHAS DE PEDRA" da BAÍA DE HALONG



"No Oriente diz-se que a Indochina é senhora de três maravilhas:  as ruínas de ANGKOR, os tumulos imperiais de Hué e a Baía de Along. Já vimos as duas primeiras, vamos agora contemplar a ultima . Lá em baixo, na nossa frente, a Baía de Along. Da grande toalha de água esmeraldina, serena como a dum lago, irrompem centenas, milhares talvez, de pequeninas  ilhas, altos rochedos de caprichosas formas, de fantásticos perfis e cobertas de rala vegetação. Entre essas minusculas ilhas, juncos chineses abrem as suas austeras velas. Não se vê de parte alguma o mar largo. Só se divisam ilhas, umas semelham obeliscos , outras lembram torres, aquelas recordam falos, outras apresentam-se como rudes cabeças humanas, queloutras imitam corpos pré-históricos. Simples rochedos revestidos de arbustos, entregando ao sol a sua capa verde, um arquipelago fantasmagórico"
                                              (Ferreira de Castro - "A Volta Ao Mundo" - 1944)







As ilhas de pedra nascem do mar,
o local é divino, esconde histórias de encantar,
 os barcos navegam em silêncio,
os turistas suspiram,
há já sonhos no ar!





Os locais vêem visitar,
vendem frutos, peixes, pérolas e eu sei lá o que mais,                      
nós recusamos,
só queremos aquela mulher de  mascara branca,
que  vem à janela,
ela faz gestos, não sabe falar,
mas posa e deixa-se fotografar......
É a luta pela vida de quem nada tem para dar.....
um cacho de bananas, uma laranja
não querem comprar?
A emoção cresce no coração,
um nó na garganta aperta.
Naquela janela aberta.
Uma lágrima se solta, meus olhos não vêem,
mas sentem.........


e o barco sempre a navegar.......a navegar.......
entre o azul do céu e o verde do mar.............
até que pára à beira dum cais,
vamos ver  as grutas e já se ouvem os ais .....
vamos desembarcar!

"A MORADA DOS DEUSES"


Entrámos então naquela morada,
pelos Deuses decorada,
esculturas, fantasmas, palhaços
estendem os braços,


imaginação, ilusão ou só impressão??       



   São monstros marinhos,
  aves gigantes, ou são só  ninhos?
  Sou Alice, no País das Maravilhas,
  quero saír, quero ficar,
   já estou presa áquele fascínio,
  à magia daquele lugar,
  donde não mais quero voltar!

"Á tarde visitamos a caverna das Surpresas e a caverna das Maravilhas,  grutas naturais de onde  por entre as estalactites se descortinam as sucessivas ilhas da Baía de Along, um mundo de configurações impressionantes. Para os próprios chineses isto  era tão estranho, que a sua mitologia  indica este singular arquipélago como sendo a residência do Dragão do Mar!"  (Ferreira de Castro) 







































sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

OS GUARIBAS VERMELHOS DA AMAZÓNIA - Macacos uivadores- Alouatta


mãe guariba
São os primatas do novo mundo  - focinho curto, narinas largas, cauda comprida, pelo longo vermelho.....

Vivem em grupo familiar e são conhecidos pela sua vocalização, que pode ser ouvida a 5kms ou mais.....
"......são lentos, mas extremamente cautelosos, quasi não fazem barulho, excepto quando se reúnem para uivar, movem-se entre as árvores vergando os galhos frágeis e lançam-se de um tronco para outro com gracioza elegancia...." Airton Ortiz (Travessia da Amazónia)

A palavra GUARIBA deriva da língua dos índios tupi-guarani - guariba quer dizer "chefe dos uivadores"

Já  perto da nossa partida da selva ouvimos um burburinho gritante na follhagem. Cercámos a "casa do Tarzan", cabana de madeira em cima da copa duma árvore, onde a familia dos guaribas se havia empoleirado e aguardámos a descida deles. O nosso guia veio a correr com as mãos cheias de mangas, chamou-os e  eles  não se fizeram esperar, o "chefão" veio à frente. Com a sua juba vermelha, uma cicatriz, mais uma dentada, a deformar-lhe o lábio superior, os olhos arregalados, de fúria, como se preparasse para o ataque.......
mais parecia um leão enfurecido, quando escorregou pelo tronco da  árvore gigantesca e veio ao nosso encontro.


Olhou para nós com ar de desprezo, a sua superioridade demonstrava a sua força, amedrontados, recuámos.
Agarrou com a enorme manápula peluda uma manga, sentou-se, acalmou e ali ficou comendo deliciado. Como por encanto a sua atitude mudara, parecia dócil, inofensivo, com a enorme barba ruiva salpicada de sumo de manga, mal olhava para nós, agora indiferente à nossa presença mais próxima, deixou-se fotografar e parecia comunicar  com o olhar, como se já fossemos "amigos"......


Depois desceu a fêmea,.a mãe-guariba com a  sua cria, "um bébé", de cara aterrorizada, agarrada ao seu dorso, mais parecia um bonequinho feio......também ela  se agarrou a uma manga........
chupava e esticava a fibra como pastilha elástica, fazia boquinhas para a nossa objectiva, como um modelo, cheia de pose; eu estava fascinada.......











O bugio-ruivo, também assim chamado, habita as florestas do Brasil. O desmatamento da Amazónia ameaça a sobrevivência destes animais, pela retirada da vegetação, pois restringe os seus ambientes.
Para nós, ver e conviver de perto e  fotografar estes belos espécimes, como se fizéssemos  parte integrante do seu reino foi   o momento alto da nosssa visita, partilhar as suas reacções, tentar entender o seu comportamento fez-nos esquecer a hora da  partida e que já o barco com as nossas malas nos esperava à beira-rio....não conseguiamos despedir-nos.... veio à minha memória a vida de Dian Fossey,uma mulher forte  e carismática que viveu nas montanhas dos gorilas em África! Ela viveu com eles, estudou-os a fundo, imitava os seus gestos, comia as mesmas folhas que eles comiam, dormia com eles, deixava-se acariciar, apaixonou-se perdidamente ...e morreu para os defender, por querer evitar que matassem os gorilas por dinheiro. Foi assassinada barbaramente na sua cabana em 1985, pouco tempo após ter publicado o seu livro "best seller" "Gorilas na Bruma" . Morreu pela sua  causa e  deixou ao mundo referencias importantes sobre o seu trabalho com os primatas.