"FAMOSA - A ETERNA"
PORTA DE SANTIAGO - FORTALEZA DE MALACA
Continuando as minhas digressões pelo Mundo maravilhoso, do planeta TERRA, aterro em MALACA a 15 de Setembro de 2009 à procura da gloriosa jóia portuguesa - A FAMOSA - hoje considerada PATRIMÓNIO MUNDIAL e outrora conquistada pelos grandes Navegadores Portugueses !!
Quinhentos anos após o primeiro português aqui aportar...também o escritor Ferreira de Castro aqui chegou, já no século XX, início dos anos 40 quando iniciou e escreveu "A Volta Ao Mundo" (livro publicado em 1944) e agora eu, já no século XXI, descrevendo aqui algumas das poucas diferenças que fui encontrar, passadas tantas gerações.....
Assim FCastro relata a sua chegada:
"O «KAROA» diminui a marcha, dá suave meia volta e lança o ferro no mesmo lugar onde, diz a tradição local, fundeara a «FLOR DE LA MAR», nau de Afonso de Albuquerque.
.....singrando águas costeiras, a lancha atraca, precisamente junto à foz do pequeno rio onde os homens de Albuquerque terçaram armas pela conquista de Malaca. E cá está no mesmo lugar da ponte histórica, uma ponte recente, tão mediocre como a antiga......É Malaca, a Malaca da História Portuguesa, cidade cujo nome anda na memória do País das caravelas há quase 500 anos. Desde a manhã do século XVI as naus de Lisboa começaram a espelhar-se sobre estas verdes águas...."
Naquela altura o porto estava repleto de juncos, segundo FCastro, pouco diferentes dos que Albuquerque ali encontrou, agora eu só encontrei uma caravela, bela, mas sem velas, de altos mastros, e decorada de ferros a brilhar......é um réplica da "Flor De La Mar" a mesma nau que aqui fundeara comandada por Afonso de Albuquerque. Esta não navega, é apenas um MUSEU MARÍTIMO contruído em 1990, onde se encontram expostas cópias e originais, homens de cera vestidos a rigor da época dos decobrimentos, armas antigas, vasos de porcelana recuperados, mapas e fotos que reproduzem as rotas do caminho marítimo para o Oriente, usados na descoberta destas paragens até então desconhecidas... é a memória mais viva da ocupação de Portugal em MALACA!
FCastro continua:
" MALACA constituía então centro comercial de especiarias, oiros, sedas, outras riquezas cobiçadas por asiáticos e europeus. Nessa época consideravam-na o EMPÓRIO de maior tráfico e opulência do Oriente........em Julho de 1511 foi o próprio Afonso de Albuquerque, Senhor da India, vontade férrea temida em toda a parte onde dela havia notícia, quem chegou aqui. Atrás da sua «Flor De la Mar» lançaram ancora no porto de Malaca mais 16 navios.....Malaca dominava então todo o estreito, a porta do desconhecido e contituía a verdadeira chave dum comércio que estava ainda nas mãos do inimigo...os portugueses construíram a Fortaleza que Albuquerque desejava e na pequena igreja, na colina da cidade sobranceira ao mar, realizaram outras obras e em Malaca dominaram durante 130 anos.....em 1641 os holandeses, sempre na esteira das naus lusitanas, tomaram MALACA . Em 1795 os ingleses conquistaram-na por sua vez aos holandeses....."
"...Hoje quem arriba já não vê a fortaleza, mas os olhos encontram ainda a dominar o porto e a cidade as paredes da igrejita que os portugueses construíram na colina ribeirinha de Malaca....."
"...O PORTO ESTÁ CHEIO DE JUNCOS QUE POUCO DIFERENTES DEVEM SÊR DOS QUE ALBUQUERQUE ENCONTROU AQUI...."
Mas esse não foi o cenário que aqui encontrei, mas só e apenas lá em baixo ancorado no porto, o Museu Marítimo - a moderna "Flor De La Mar" ...infestada de turistas vindos de toda a parte do Mundo, uma nova ponte, casas modernas, Hotel de luxo, centro comercial, avenidas, rikshaws cheios de flores e alguns pássaros a voar.... os únicos testemunhos silenciosos do passado!
FCASTRO: ....."começámos a subir a colina......assemelha-se a esses outeiros de nossa Srª do Monte, mas é mais romântica ainda.....a colina chama-se S.PAULO e sítio de maior airosidade não existe em Malaca ...aqui os portugueses vinham perscutar o mar, na ansia de ver romper na linha do horizonte naus que trouxessem novas da sua terra longinqua..."
FCastro sentía assim com a sua presença e profunda intuição o que se havía passado há 500 anos atrás, ele sentía no coração e com emoção vivia a realeza dos factos da História passada.
"...Mas tudo isso desapareceu e só a igrejita ficou, arruinada a presidir, de sobre a colina, o estreito de Malaca. Entrámos. As paredes descobertas enquadram uma sala revolvida, terra que foi de numerosas sepulturas, agora cheia de destroçadas pedras e ervas silvestres, paredes sobre as quais andam insetos e lagartos... dum lado e outro arrimadas às paredes encontram-se várias lápides tumulares de portugueses e holandeses. Alguns artísticos brasões. Entre os dos lusitanos sobressai o de D.Miguel de Castro, capitão que foi da fortaleza de Malaca, onde morreu. Só ficaram estas frias inscrições levantadas das sepulturas, a escutar o silêncio quente dos dias malaios no cimo da colina e, em noites de tormenta, o lúgubre uivar do vento nas ruínas que parecem cheias de fantasmas.... aqui também esteve enterrado, durante algum tempo, o cadáver de S.Francisco Xavier quando o trouxeram da China para Goa e em Malaca fizeram a pausa da jornada...."
Esta descrição da velha igreja não pode ser mais fiel, ainda hoje aqui estou eu, volvidas algumas décadas após a visita do escritor, oiço estas palavras e sinto um arrepio...tudo permanece na mesma como então...mais que nunca na memória se revive quando este lugar se visita, a glória do passado, os mortos que aqui vagueiam como fantasmas........ ninguém pode ficar indiferente á magia deste lugar sagrado! FCastro descreve então um acontecimento épico da forma mais poética como só ele sabia fazer:
"..um dia estas velhas paredes viram subir a colina e entrar aqui um HOMEM na qual outros homens só reparavam por ele ter um olho a menos. Chegou, fixou o interior do templo, ajoelhou-se e rezou. Saíu depois e quedou-se a contemplar o mar. Era um simples funcionário a caminho ou de regresso de Macau. Não gozava de nenhuma homenagem e como fosse semicego até os mendigos evitavam pedir-lhe dinheiro e sentiam certa fraternidade com ele. Demorou-se em frente do vasto panorama e por fim desceu a colina sempre sózinho. Só muito tempo passado estas próprias pedras saberiam que tinham visto o maior épico do povo que as erguera aqui, o poeta de aventurosa existência que havia de cantar as façanhas dos LUSÍADAS... agora no Templo em escombros, onde pairam sombras só há silêncio de vidas que se apagaram e no qual parece lançar-se a alma das muitas gerações que trilharam a colina....."
E ali eu começo a ouvir a voz de cada pedra que parece cantar.....
«AS ARMAS E OS BARÕES ASSINALADOS
QUE, DA OCIDENTAL PRAIA LUSITANA,
POR MARES NUNCA DE ANTES NAVEGADOS
PASSARAM AINDA ALÉM DA TAPROBANA,
EM PERIGOS E GUERRAS ESFORÇADOS,
MAIS DO QUE PROMETIA A FORÇA HUMANA,
E ENTRE GENTE REMOTA EDIFICARAM
NOVO REINO, QUE TANTO SUBLIMARAM»
(Luis de Camões - Canto primeiro . LUSÍADAS)
A VOZ do poeta encheu meu coração.... abri os braços e
Acolhi os fantasmas que pairavam no ar,
E o poeta, o escritor e eu, juntos
fomos contemplar o mar....
e humedecer o olhar.
Lá longe espreitavam a ponte,
a caravela já sem velas
e o altivo mastro,
mas de Albuquerque nem rasto......
Lá longe espreitavam a ponte,
a caravela já sem velas
e o altivo mastro,
mas de Albuquerque nem rasto......
Só o uivo do vento
e o silêncio
reinavam nesse dia, ali
nada mais existia.
e o silêncio
reinavam nesse dia, ali
nada mais existia.
Renascemos
e, de alma cheia, descemos
e, de alma cheia, descemos
aquela mágica colina
para ver a porta
para ver a porta
a quem CAMÕES chamou
A GLORIOSA,
e a quem os malaios
ainda hoje chamam de "FAMOSA"
E FCastro assim termina a visita:
"Descemos, contornámos o outeiro e encontrámo-nos perante outra memória lusitana. É uma velha porta solitária - a única coisa que resta da fortaleza que Albuquerque mandou construir em 1511 e quiz que se chamasse «FAMOSA»"
Só uma inscrição em inglês explica a origem da ruína......